segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Das minhas leituras - 8


Estou quase a acabar de ler "O Monge" (porque já conheço o fim da história).
Devo dizer que me impressiona bem mais a iniquidade de algumas das personagens do que as cenas de terror que a novela contém, fazendo jus ao epíteto de "novela gótica".
E também que, se esta novela tivesse sido publicada num país católico, provavelmente o seu autor iria poder reescrever a parte relativa à Santa Inquisição, tornando-a ainda mais fiel à realidade, … porque ele próprio teria passado pelos seus calabouços, como algumas das suas personagens.
Vou agora fazer uma apreciação da novela, inspirada na sua leitura e tendo por pano de fundo os meus estudos de literatura.
Podemos considerar que há dois tipos de personagens.
Umas têm características muito vincadas, que fazem delas expoentes do Mal (sobretudo Matilde e Ambrósio, mas também, embora em menor grau, a madre superiora do convento de Santa Clara) ou do Bem (Antónia).
Aliás, Antónia e Matilde são boas ilustrações da “mulher anjo” e da “mulher demónio” do Romantismo, de que Garrett tanto gostava e fazia largo uso na sua poesia.
Nota-se uma certa tendência para uma relativa desresponsabilização de Ambrósio, face ao efeito perverso que Matilde exercia sobre ele. Mas, nestes casos, a culpa é bígama: tem sempre dois parceiros!!!
Outras personagens têm os seus pecadilhos, mas são essencialmente humanas (Elvira, Leonella, Lorenzo, Raymond, por exemplo).
Estas vão sendo caracterizadas através da sua participação na acção, do seu discurso, do que sobre elas dizem… e também dos comentários feitos pelo narrador, que revela um bom conhecimento do mundo.
Refiro, por exemplo, as passagens em que este analisa as razões das precauções que Elvira toma em relação às visitas de Ambrósio e aquelas em que reflecte sobre as causas da progressiva indiferença do monge em relação a Matilde.
Na novela, o tempo é bastante acelerado pela sucessão rápida das peripécias, apenas retardada pelos empolados discursos das personagens e comentários do narrador, como era uso na época.
Mas a acção prende mesmo o leitor e as ligações entre as várias peripécias são bem asseguradas, mesmo quando estão separadas por vários capítulos, numa obra que é bastante extensa (cerca de 400 páginas na tradução portuguesa que comprei por não poder adquirir a novela na língua original).
O horror é assegurado por algumas peripécias (por exemplo, a aparição do espectro da monja sangrenta a Raymond, o assassínio de Elvira, a morte de Ambrósio), por alguns dos espaços em que a acção decorre (por exemplo, a cripta do cemitério do convento de Santa Clara) e ainda por algumas das “narrativas encaixadas” (por exemplo, a história de Alonzo e Imogine).
A presença destas “narrativas encaixadas” faz-me pensar nos romances surrealistas, com as suas famosas “colagens”. Louis Aragon, autor que estudei, escreveu prosa narrativa usando este processo.
No conjunto, posso dizer que me soube bem ler esta novela gótica e que é perfeitamente claro para mim o motivo do prestígio que lhe foi atribuído. Há momentos em que tenho muita dificuldade em “descolar”! :)
Um abraço ao Miguel, que me encorajou a fazer esta leitura.
[Espero que este post não seja "chatinho"!]

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